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Marco legal do crowdfunding e o incentivo aos novos negócios

Categoria: E-Business | Artigo
 Publicado em: IT Mídia
 

No Brasil, havia uma restrição para utilização do método

Difícil encontrar uma pessoa que não tenha, um dia, participado de uma “vaquinha”. Seja para comprar um presente para um amigo, um eletrodoméstico para a casa, um novo veículo para a família. A experiência sempre se inicia com um desejo ou necessidade e a impotência de realiza-lo sozinho. O termo pode mudar e até se modernizar (vide o tal “financiamento coletivo” ou “consórcio”), mas o conceito permanece inalterado no básico: são pessoas distintas que contribuem financeiramente para alcançarem um objetivo comum, objetivo esse que dificilmente alcançariam isoladamente.

crowdfunding, apensar de ter sido criado em 2006, não se afasta desse conceito tão antigo, pois se dedica a viabilizar financeiramente os mais variados projetos. É uma das ferramentas preferidas de empreendedores que desejam certa independência em relação ao investidor. O que ganha o investidor com seu investimento? Depende do que oferece o empreendedor financiado. As recompensas podem ser consideráveis ou simbólicas, sendo comuns os casos em que o investimento acontece quase que por filantropia, seja em relação ao empreendedor, seja em relação à própria coletividade, que seria beneficiada com a implementação do projeto (vamos pensar, por exemplo, no financiamento de uma invenção que revolucionaria o tratamento de doença grave).

Com a internet e por meio das plataformas eletrônicas, o crowdfunding elevou a “vaquinha” ao nível global, pois qualquer interessado poderá participar de projetos em praticamente todos os países do mundo desenvolvido, extinguindo-se fronteiras e aumentando a exposição de bons e maus projetos.

Ocorre que, no Brasil, havia uma restrição para utilização do crowdfunding: não era possível financiar o projeto de uma nova empresa mediante o recebimento de participação societária pelo investimento. Em outras palavras, o investidor não poderia receber a contrapartida em quotas de capital social. Não que fosse impossível, mas a nova empresa teria que dispender tempo e dinheiro para fazer a transação corretamente, por meio da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), o que praticamente inviabilizava a operação, pois ter boas ideias não é o mesmo que ter recursos (até por isso a necessidade da “vaquinha”). Dessa forma, a utilização do crowdfunding com oferta pública de participação societária (equity crowdfunding) em troca de investimento só poderia ocorrer mediante registro junto à CVM, de acordo com o artigo 19 da Lei n. 6.385/76, o que colocava um freio no empreendedorismo e no manejo eficaz e abrangente do crowdfunding.

Entretanto, o cenário anterior foi modificado pela Instrução CVM n. 588, de 13 de Julho de 2017, que foi criada justamente para dar regulamentação ao equity crowdfunding. Ela não regulou o crowdfunding que se realiza mediante doação ou cuja recompensa seja realizada por meio de brindes, recompensas, bens ou serviços, o que, de certa forma, é o mesmo que dizer que só abrange o modelo de recompensa como participação societária.

A Instrução não se dedica a todos os tipos de sociedade, estabelecendo alguns critérios para que a mesma possa se beneficiar de suas disposições: é necessário que a sociedade seja brasileira e de pequeno porte, assim considerada aquela cuja receita bruta anual de 10 milhões de reais, excluindo as sociedades anônimas abertas. Trata-se de um limite razoável e que deve abarcar a grande maioria das startups. Caso a sociedade não tenha mais de 1 ano de existência, o limite será proporcional ao número de meses de operação.

Há outros limites: o investimento pretendido não pode ultrapassar 5 milhões de reais, a oferta por meio da plataforma eletrônica precisa ter prazo máximo de 180 dias, definidos antes do início da oferta, a fim de que os investidores tenham mais segurança jurídica, evitando mudança de prazo não prevista.

A destinação do valor arrecadado também foi regulamentada, não podendo ter como objeto movimentos societários como fusões, incorporações, aquisições de ações, concessão de crédito a outras sociedades ou aquisição de títulos e valores mobiliários. A intenção é claramente evitar que o investimento perca sua importante característica social de fomentar o empreendedorismo.

As empresas de pequeno porte que utilizarem o equity crowdfunding não poderão repeti-lo sem registro junto à CVM dentro do período de 120 dias após a finalização da oferta anterior. O valor que poderá ser investido por ano-calendário é de 10 mil reais, havendo algumas exceções, como no caso de investidores profissionais (com comprovada experiência).

A Instrução previu uma espécie de direito de arrependimento, como vemos em relações de consumo, ou seja, em 7 dias contados da confirmação do investimento o investidor poderá desistir, não podendo ser penalizado por isso.

Pois bem. Até então falamos sobre o ato da oferta em si, que dispensa registro no CVM, mas se fosse possível realizar a oferta em qualquer tipo de plataforma, a segurança jurídica pretendida ficaria prejudicada, visto que o natural, com tal liberação, é que se multipliquem as empresas e sites intermediadores, muitos deles sem experiência ou oportunistas. Sendo assim, a Instrução estabeleceu que as plataformas eletrônicas de investimento precisam do registro junto ao CVM, bem como cumprir diversas regras de segurança e transparência, entre as quais destacamos: assegurar-se que a sociedade de pequeno porte cumpra os requisitos legais e atestar a veracidade das informações prestadas pela mesma. Além disso há diversas diretrizes contratuais que deverão ser observadas pelo site em sua relação com os investidores, pois é o interesse dos mesmos que está sendo resguardado, conforme descreve o próprio artigo 1º da Instrução.

As regras financeiras em relação ao site também são rígidas. Na sistemática do crowdfunding tradicional a oferta de investimento fica aberta pelo tempo determinado ou até que se alcance o valor pretendido, o que acontecer primeiro. Se o valor for alcançado o empreendedor receberá os fundos. Se não for alcançado, a plataforma devolverá aos investidores as somas oferecidas. Durante o período da oferta, então, onde ficará o valor investido? A Instrução proibiu que os valores transitem pelas contas bancárias em nome da plataforma, dos seus sócios, administradores ou qualquer pessoa a ela vinculada, bem como contas mantidas por empresas controladas, investidores líderes ou pessoas a ele vinculadas. Essa regra talvez crie problemas operacionais, tendo em vista que um terceiro deverá deter tais valores, numa espécie de contrato scrow, recebendo instruções sobre a quem liberá-los, dependendo do sucesso da arrecadação.

Há muitos outros pontos que poderiam ser destacados na Instrução CVM n. 588, mas o essencial é compreender que, juntamente com a Lei Complementar n. 155/2016, que alterou a Lei 123/2006, a fim de reconhecer a figura do investidor-anjo e estabelecer regras claras para aporte de capital, a regulamentação do equity crowdfunding é mais uma iniciativa para fomentar o empreendedorismo e aumentar a gama de ferramentas jurídicas pelas quais as startups poderão receber importantes, para não dizer essenciais, investimentos e recursos.

*Ricardo Oliveira e Márcio Cots são advogados da Cots Advogados

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